A Desnaturalização da Realidade – Aspectos Ideológicos

A Desnaturalização da Realidade – Aspectos Ideológicos

Professor Mestre José Sobreira Barros Junior

Em um brilhante texto (Chaui, 2010) a filósofa Marilena Chaui, classifica ideologia como “silencio”, ou, para melhor compreensão aquilo necessariamente silenciado, o que não aparece em um conceito, em uma frase, na realidade, propositadamente é “deixado de lado”, como se não fizesse parte do real.

É importante ter ideias, é fundamental o processo de circulação de ideias, sim, fundamental, as ideias (apesar dos hegelianos) não andam sozinhas e não são criadas do nada, alguém um grupo de pessoas as criam e elas se transportam por essas pessoas, modernamente, pela mídia nas suas mais variáveis formas para a sociedade.

Não necessariamente precisa ser escrita, pode ser uma imagem tal como a criança judia, bracinhos levantados sendo levada do gueto de Varsóvia, pelos facínoras nazistas, a criança morta na praia, refugiada síria tentando entrar com os pais na E Europa, essas imagens dizem mais (e tem também muitos “silêncios”) do que muitas palavras, textos etc.

Mas a questão é ter a sensibilidade de quando um texto, ou uma ideia deixa de ser ideologia no sentido forte da expressão, de uma maneira positiva, para ser no seu sentido “fraco”, impedindo uma real leitura da realidade, silenciando como defende Chaui, o real criado pelos homens.

Um grupo de pessoas pode ter uma ideia, ou mesmo uma pessoa, para melhor estruturar algo, para melhor conceber sua e de todos a cidadania, sobre o problema que for, essa ideia é examinada, e as vezes (como uma matéria cientifica) testada na realidade pelas pessoas e isso vai se tornando algo concreto ao meio social, de uma maneira positiva, este ideário vai transformando e se transformando em uma concretude social.

Agora fica uma questão, quer seja pela força do raciocínio, pela experiência, como uma ideia se torna ou toma características ideológicas, no sentido “fraco do termo”? Como esse sutil fato é possível?

Vamos percebendo, nada é magico, tudo é determinado pela ação dos homens, de nós seres humanos no nosso dia a dia, cotidiano, sim é pelo “senso comum”, e o que é o senso comum?

Vejamos, senso, vem de consenso, porém em geral não é debatido como o tal consenso é produzido, ai já entramos no campo dos “silêncios”.

O senso comum parte da ideia da aceitação de um fato, de uma ideia sem o debate, sem a crítica, ele vai “passado de geração a geração”, como se fosse uma verdade absoluta, exemplos? Bom, temos muito, porém o pior é o sentido de “naturalização” observado no senso comum, assim, algo se torna “natural”, sem mais ou menos, é assim, pois é natural.

Como observado os exemplos são muitos, como, “criança, a menina brinca com boneca e o menino com bola”, isso é natural, pois a menina é “naturalmente frágil”, já o menino não, pois tem o sentido de força e de coragem necessário para chefiar e mandar!

Pois bem, ficou de fora que todos somos iguais, até mesmo a ciência ajuda neste aspecto, o projeto genoma, com a participação de cientistas do mundo inteiro coletando e classificando material genético de varias partes do mundo, comprovou que geneticamente somos 99,9 por cento iguais e não diferentes, por sermos, brancos, ou pretos, ou “amarelos”, o clima, a geografia explica as diferenças.

Claro está que no aspecto ósseo o homem é mais pesado do que a mulher e só, tirando a anatomia, existe uma pura igualdade, porém, porque esta é escamoteada? O que explica a criança menina brincar, de “casinha”, de cozinhar, de cuidar das bonecas e os meninos serem quase que “proibidos” desse brincar, e vice-versa, a menina não ganha um carrinho, uma bola!

O “homem não chora”, isso é “natural”, então, essa naturalidade ao envolver o senso comum, aceito sem críticas, como verdades totais implicara em uma leitura distorcida do real, é como o conceito de “fetiche da mercadoria” , trabalhado por Marx no “Das Kapital”, a mercadoria é tem em si, criado pelo homem como um “feitiço’, eu compro um carro da Fiat, um Mercedes e não algo produzido por um operário, por um ser humano.

A desnaturalização promove uma aceitação, de uma maneira subjacente a mesma vai tornando possível o senso comum, pois contextualiza a aceitação de uma ideia, dos fatos, a crítica (quer seja pela falta de consciência ou pelo aspecto da força imposta cultural) não surge, e o silencio se faz presente ao não se explicar os reais motivos de existência da concretude do mundo.

Questão concreta a sociedades fóbicas, onde o outro é estigmatizado, rejeitado, por uma naturalização, ao passar pelo “outro”, passa para a sociedade, pois, com naturalidade se faz campanhas e campanhas de ajudas humanitárias, mas se aceita naturalmente a tragédia dos moradores sem teto, das casas em palafitas e em esgotos abertos.

Um processo ideológico no bom sentido, ou melhor, no sentido forte do termo só é real na forte conscientização, nas dinâmicas educacionais, no respeitos as diversificadas culturas, enfim no respeito ao outro, na sua totalidade enquanto ser.

Voltando, um sonho impossível? Restrito a pequenos universos? Não! Uma garota suéca mobilizou várias partes do mundo sobre a situação climática tomando uma atitude, diante do ataque aos muçulmanos, na Nova Zelândia, a população no dia de culto, cercou as mesquitas protegendo aqueles que nelas adentravam, com sua primeira ministra na capital dando o exemplo, então é possível construir ideologia no sentido “forte” da expressão é possível no bom sentido transformar a realidade.

 

“Havia em um colégio onde uma bela menina vinha todo dia com o vestido muito desalinhado, professoras e professores, juntos compraram um vestido azul novo! A mãe, da menina diante de tão belo vestido azul, começou penteá-la todo dia, o pai da menina vendo-a tão bela, tratou de arrumar a casa, pois uma menina com um belo vestido azul e tão bela, não podia morar em uma casa sem uma pintura nova, o jardim da casa da menina foi replantado, o vizinho percebendo toda aquela beleza tratou de reformar sua casa também, o outro foi consertar o seu jardim outro vizinho arrumou toda a fachada da casa e a rua se transformou tanto ficando mais bela com a prefeitura replantando ou plantando arvores com frutas, atraindo pássaros e pequenos animais, a alegria estava presente na rua e tudo começou, com um belo vestido azul…” (texto folclore popular).
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